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465 ou 414: historiadora explica divergências sobre a idade de Mogi das Cruzes

Mestre em História Colonial do Brasil, Madalena Grassl explica que a maior parte dos documentos da época datam de quase 50 anos depois do suposto surgimento em 1560

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Paisagem de Mogi das Cruzes no século XX | Reprodução/Arquivo Histórico Municipal "Historiador Isaac Grinberg"

Reportagem de: Fabricio Mello

Em 1º de setembro de 2025, Mogi das Cruzes completa 465 anos de sua fundação. Segundo uma das versões mais conhecidas sobre a origem da cidade, foi por volta de 1560 que o bandeirante Braz Cubas desbravou as matas onde, hoje, se encontra a cidade, mas teria o explorador, de fato, se aventurado por essas terras há quase seis séculos atrás?

Para entender melhor a origem da cidade, a redação do O Diário foi até o centro de São Paulo, na Aclimação, para conversar com a professora e mestra em História Colonial do Brasil, Madalena Grassl, autora do livro “História Colonial de Mogi das Cruzes: Elites e Formação da Vila”.

A historiadora, que também é natural da cidade, conta que, de acordo com os registros e documentos da época, Mogi pode ser quase 50 anos mais nova do que diz a versão mais conhecida sobre a fundação da cidade, datando de 1611, quando o povoado – que existia onde hoje é a cidade – foi oficialmente elevado ao status de vila sob o comando de Gaspar Vaz.

Historiadora Madalena Grassl | Fabrício Mello/O Diário de Mogi

Na entrevista, Madalena contou que o território, onde hoje é Mogi das Cruzes, ainda era ocupado por indígenas em meados de 1560. A principal marca dessa terra era ser o local de passagem de quem seguia rumo ao sertão para caçar os indígenas ou procurar ouro – atividade incentivada desde o início da colonização pela monarquia portuguesa.

“Os paulistas saiam, muito, em procura do ouro. Isso era prática aqui. E eles passavam por essa região, assim como pelo Vale do Paraíba, pela região de Taubaté e por ai vai. Então, aqui era local de passagem e de aldeias indígenas”, explica a historiadora.

Uma das versões que teria colaborado com a ideia do surgimento em 1560 seria a que diz que a região de Mogi era uma sesmaria – ou seja, uma grande porção de terra doada a algum colono – mas Madalena explica que faltam registros que comprovem essa apropriação do território ou que Braz Cubas teria sequer usado as terras daqui como ponto de descanso. “Não há registro nenhum, isso é uma memória criada por alguém, possivelmente no século 10 ou 20, mas não há registro”, conta.

A professora explica que as bandeiras que saiam de São Paulo realizavam uma marcha que funcionava da seguinte maneira: logo que o dia clareava, os bandeirantes começavam a andar sem pausas até as 15h, mais ou menos. A partir dai, os grupos encontravam algum lugar para descansar e montavam seus acampamentos para pernoitar. Na manhã seguinte, levantavam as barracas e retomavam a marcha.

“Essas bandeiras acampavam e descansavam em inúmeros lugares, então não dá para saber que lugares eram esses. Não existe um registro correto e, na época, não daria sequer para saber em que ponto eles estavam porque eles estavam andando por uma mata que eles pouco conheciam”, explica Madalena.

Então quando, de fato, surge Mogi?

O primeiro documento que atesta a existência de Mogi das Cruzes – ou, como era conhecida na época, da Vila de Sant’anna das Cruzes de Mogi – data de 1608, 48 anos mais tarde do que a versão protagonizada pelo bandeirante Braz Cubas. Madalena explica que o documento em questão trata-se da doação da sesmaria ao colono Gaspar Vaz, fundador da cidade.

“Antes de ser cidade, foi vila, que foi fundada em 1611. Eu pesquisei pelo nome do primeiro grupo de fundadores e todos eles vieram de São Paulo, com as últimas menções a Gaspar Vaz, Francisco Vaz Coelho na documentação paulista, por exemplo, são em 1598. Então, a partir dessa data, esses caras podem ter saído e vindo para a região, mas não há nenhum documento que ateste isso. A exceção é um, de 1608, que a doação da sesmaria do Gaspar Vaz, que é exatamente em Mogi.”

A professora explica que é, com base nessa documentação, que se pode, de fato, estimar o momento em que um povoamento de brancos se formou na região onde hoje fica a cidade. Entretanto, pelo fato de que a formação desses povoamentos eram dificilmente documentadas, ainda restam incertezas sobre quando a vila, e futura cidade, começou a tomar forma no mapa do Brasil.

Em seu livro, Madalena escreveu, ainda, sobre os anos entre a doação das terras e a fundação da vila, trazendo um pouco mais de clareza sobre como a cidade começou. No livro, ela conta que o capitão-mor que concedeu a terra a Gaspar Vaz foi seu colega de vereança de São Paulo e que teria doado a terra, possivelmente, por ter um favoritismo em relação ao ex-colega.

Livros e documentos usados pela professora Madalena no levantamento da história de Mogi, além do que foi escrito por ela | Fabrício Mello/O Diário

Em 1611, ano em que a vila seria fundada, a mulher de Gaspar Vaz, Francisca Cardoso, morre. O corpo dela foi transportado do povoado, localizado na sesmaria, até São Paulo, onde recebeu o enterramento no Carmo em março daquele ano. A viagem entre as duas localidades, entretanto, é descrita na documentação como “caminhos ásperos e de muitas águas“.

Cópia de uma página do testamento de Francisca, esposa de Gaspar Vaz | Fabrício Mello/O Diário

Ainda no livro, Madalena conta que cerca de um mês depois da morte de Francisca, começava o processo que culminaria na fundação da vila. Tratava-se de uma petição assinada por 21 chefes de família que moravam no povoado, sendo o primeiro signatário do documento – e muito provavelmente seu mensageiro – o viúvo Gaspar Vaz.

Assinatura dos seis primeiros signatários da petição | Fabrício Mello/O Diário de Mogi

Naquele mesmo ano, em 17 de agosto, Gaspar participa do reconhecimento do povoado como a Vila de Sant’anna das Cruzes de Mogi. A solenidade que marcou essa “elevação” acontece em 1º de setembro daquele ano, data que passa, então, a ser adotada como aniversário da cidade.

Desenho feito por Rubens Azevedo, a pedido de Isaac Grinberg, retratando a solenidade da elevação ao status de vila | Reprodução/História Colonial de Mogi das Cruzes: Elites e Formação da Vila

“Os escritores do século 19 inventavam muitas coisas. Eles não tinham todos os documentos à mão, então nós estamos lidado com memórias criadas. Nos estudos que eu fiz, por exemplo, nada sustenta a ideia de que havia um povoamento branco por aqui em 1560. Pode ser que tenha havido, mas esses povoamentos apareciam e desapareciam de acordo com as circunstâncias daquele período”, explica a professora.

Por que, então, 1560?

Apesar da fundação da cidade ser atribuída a Gaspar Vaz, em 1611, o poder público – desde 1980, quando criou-se uma comissão para determinar quem, de fato, fundou a cidade – nunca deixou de considerar os quase 50 anos de diferença entre as duas versões.

Na prática, isso significa que a cidade comemora o seu aniversário com base no suposto surgimento do povoado em 1560, mas atribui a sua fundação à petição encabeçada por Gaspar Vaz, em 1611. Madalena explica que essa tendência em envelhecer as cidades vem do século 19, incentivada por um perfil nacionalista que existia no Brasil.

“Na virada do século 19 para o 20, todo mundo buscava as origens das suas cidades, todo mundo queria saber dos princípios da sua história – era uma busca super comum. E aqui, na região paulista, por excelência, essa procura era muito forte porque todo mundo queria estabelecer um elo entre a sua cidade e a atividade dos bandeirantes.”

Por conta dessa necessidade, então, cria-se a memória de que Mogi das Cruzes teria surgido como um povoamento em 1560. Esse pensamento também foi incentivado pelas sucessivas administrações da cidade, que optaram por essa data para conferir “maior antiguidade e, portanto, maior legitimidade a sua sua existência”, segundo a professora, ligando a história da cidade à história dos bandeirantes, entre eles o conhecido Braz Cubas.

Idade de Mogi

A partir da aula de história e dos documentos levantados pela professora Madalena, chegamos a questão: afinal, quantos anos tem Mogi das Cruzes?

Partindo da versão mais conhecida, porém com poucas bases para se sustentar – de que a cidade teria surgido em 1560, com a formação de um povoado nas terras desbravadas por Braz Cubas – Mogi das Cruzes completa, em 2025, 465 anos de existência.

Entretanto, ao nos atentarmos aos fatos e ao que foi, realmente, documento pelos colonos da época, a cidade pode não ser tão velha assim. Partindo da data da solenidade da elevação ao status de vila, realizada em 1º de setembro de 1611, Mogi das Cruzes completa 414 anos em 2025.