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Morre, aos 80 anos, no Rio, a cantora Leny Andrade, da época da bossa-nova

Morreu nesta segunda-feira (24) a cantora Leny Andrade, aos 80 anos, no Rio de Janeiro. A informação foi confirmada nas redes sociais da artista. “A diva do Jazz Brasileiro, Leny Andrade, foi improvisar no palco eterno. Leny faleceu nessa manhã, cercada de muito amor. As informações do velório serão divulgadas em breve. A voz de […]

24 de julho de 2023

Reportagem de: O Diário

Morreu nesta segunda-feira (24) a cantora Leny Andrade, aos 80 anos, no Rio de Janeiro. A informação foi confirmada nas redes sociais da artista. “A diva do Jazz Brasileiro, Leny Andrade, foi improvisar no palco eterno. Leny faleceu nessa manhã, cercada de muito amor. As informações do velório serão divulgadas em breve. A voz de Leny Andrade é eterna!”, dizia a legenda da foto.

A mãe queria que Leny de Andrade Lima fosse pianista clássica. Dona Ruth ensinou as primeiras lições quando a filha tinha 6 anos. Mais à frente, a menina ganhou bolsa de estudos do Conservatório de Música, onde se formou. Terminado o “castigo”, segundo classificou ao GLOBO em uma de suas últimas entrevistas, entregou o diploma para a mãe:

– Está aqui de presente para a senhora. Não me canse. Quero ser cantora.

Na verdade, já era. Aos 9 anos, foi levada pelo pai, o médico Gustavo da Silva, para se apresentar no Clube do Guri, da Rádio Tupi. Numa das idas ao programa, fez sucesso com o samba-canção “Risque”, de Ary Barroso. Adorava músicas de fossa, que ouvia no rádio. Suas intérpretes preferidas eram Dalva de Oliveira e Dircinha Batista.

Na adolescência, a carioca do Méier já cantava em clubes da Zona Norte. E, com autorização dos pais, subia aos pequenos palcos das boates do Beco das Garrafas, em Copacabana, principais endereços da bossa nova e do samba-jazz. Foi numa dessas boates, a Little Club, que ouviu aquela que se tornou sua maior referência, Dolores Duran – que morreria naquele mesmo 1959.

Naquele ano, ela gravou uma composição de Dolores (“Quem sou eu”) num 78 rotações por minuto. Até 1964, ela gravaria cinco desses discos (duas faixas em cada um). Se começou na cola do estilo da maioria das cantoras do rádio, soltando a voz potente, dois anos depois já mostrava o que seriam suas marcas: o suingue e o scat (emitir sons em vez de palavras), técnicas que aprimorou como cantora da noite.

– Sempre gostei de cantar à noite. A noite foi das coisas melhores da minha vida – disse ao GLOBO ela, que gostava de fumar, mas evitava beber.

Em 1961, lançou seu primeiro LP, “A sensação”. Logo se tornou porta-voz da ala mais jazzística da bossa nova, de autores como Durval Ferreira e Mauricio Einhorn. A dupla criou dois carros-chefes da trajetória de Leny: “Batida diferente” e, com letra de Regina Werneck, “Estamos aí”. Esta música deu título a um de seus principais discos, de 1965. A artista lançou 34 álbuns na carreira.

Também em 1965, ao lado de Pery Ribeiro e do Bossa 3, fez grande sucesso com o show “Gemini V”, na boate Porão 73, em Copacabana. Todos foram convidados a fazer o show no México no ano seguinte. Leny foi e só voltou seis anos depois.

– Adorei morar no México. Lá você aprende tudo: a beber, a cantar, a trepar. Homens maravilhosos! – recorda ela, que teve um caso com o artilheiro Jairzinho durante a Copa de 1970. – Com direito a cama quebrada.

Leny amou o compositor Claudionor Nascimento, de quem gravou três músicas, sendo duas no seu primeiro 78 rpm, em 1957. Mas só se casou uma vez, entre 1980 e 1982, com o escultor espanhol Carmelo Senna. Orgulhava-se, porém, de ter uma vida amorosa animada. Não teve filhos.

Nas décadas de 1980 e 1990, tornou-se cult em Nova York, cativando artistas como Tony Bennett – que costumava desenhá-la enquanto ela cantava – e Liza Minnelli. Mas não deixava de gravar e fazer shows no Brasil. Esteve muitas vezes em boates da Zona Sul do Rio como People e Chiko’s Bar.

Muito dos LPs e CDs que Leny gravou eram conceituais, dedicados a um compositor ou dentro de um mesmo formato. Alguns exemplos são “Cartola 80 anos” (1988, com Gilson Peranzzetta), “Bossa nova” (1991), “Nós” (1993, com Cesar Camargo Mariano), “Antonio Carlos Jobim, letra e música” (1995, com Cristovão Bastos), “Luz negra – Nelson Cavaquinho por Leny Andrade” (1995, com Peranzzetta) e “Alma mia” (2010, de boleros).

Peranzzetta, pianista e arranjador, acompanhou a cantora por mais de 30 anos. Virou um grande amigo, assim como sua mulher, Eliana Peranzzetta, que se tornou empresária de Leny. Os dois foram companhias frequentes nos últimos anos de vida de Leny. Em 2018, ela, que morava sozinha, se mudou para um apartamento de dois quartos no Retiro dos Artistas, em Jacarepaguá. Gostava de residir na casa 2 da Rua Nair Bello, pois as visitas para os outros moradores tinham de passar em frente.

Sua saúde se comprometeu aos poucos por causa de um mal degenerativo chamado distúrbio de cognição por Corpos de Lewy. A distância dos amigos provocada pela pandemia – quando tinha ao lado duas acompanhantes que se revezavam – piorou o quadro emocional. No aspecto físico, chegou a pesar 45 quilos. Mas recuperara parte do humor por voltar a receber pessoas.

Em 2019, ainda completamente lúcida, levou Pedro Bial às lágrimas ao interpretar “Por causa de você” (Tom Jobim e Dolores Duran) no programa “Conversa com Bial”. Já frágil, gravou o samba-canção em sua última ida a um estúdio, em setembro de 2022. O lançamento nas plataformas foi em 2023, para marcar seus 80 anos. Comemorou a data, em 26 de janeiro, recebendo integrantes da chamada Legião dos Amigos de Leny.

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