Psicóloga Victoria Vidal diz que as mulheres precisam de mais políticas afirmativas
Nesta semana, o caso de Mariana Ferrer gerou revolta pelo uso do termo “estupro culposo”. O que pode dizer sobre essa expressão? Diariamente as mulheres são culpabilizadas pelas violências e violações de direitos que elas sofrem e, enquanto psicóloga, reconheço meu compromisso de não ser conivente com essas situações jamais. O que tem acontecido com […]
Reportagem de: O Diário
Nesta semana, o caso de Mariana Ferrer gerou revolta pelo uso do termo “estupro culposo”. O que pode dizer sobre essa expressão?
Diariamente as mulheres são culpabilizadas pelas violências e violações de direitos que elas sofrem e, enquanto psicóloga, reconheço meu compromisso de não ser conivente com essas situações jamais. O que tem acontecido com Mariana desde que conseguiu fazer a denúncia, o que por si só já é algo muito difícil, parece ser uma tentativa de deslegitimar a palavra da mulher em situação de violência, de negar suas experiências e de responsabiliza-la pelo que outras pessoas fizeram com ela. E, infelizmente, como em tantos outros casos, essa tentativa é ainda hoje legitimada por parte da população e do judiciário.
Como acabar com a “normalização” deste tipo de crime?
Precisamos considerar que essa normalização é histórica, social e cultural. A chamada cultura do estupro tem sido construída há muito tempo e, para romper com ela, é preciso investir em educação sexual e em políticas afirmativas, por exemplo, para promoção da igualdade de gênero, para quebrar com a lógica ainda existente que mulheres são inferiores aos homens e que os homens têm algum direito sobre nossos corpos.
Então a educação é uma saída para eliminar situações de abuso e violência?
Precisamos investir na base, na educação. Não só na educação formal, mas em todos os espaços. Desde crianças somos ensinados a desempenhar papéis que colocam a mulher como inferior aos homens, e, aos poucos, vai sendo reforçada uma base forte que legitima as violências que sofremos diariamente enquanto mulheres. Precisamos romper com esse ciclo. Precisamos promover o acesso e garantia de direitos a toda a população, sem exceção, lembrando sempre da estrutura social que nos trouxe até aqui, que até hoje inferioriza mulheres, principalmente as mulheres negras.
Mogi é bem servida de equipamentos públicos de apoio à mulher?
Infelizmente não. Mogi possui uma Casa Abrigo para casos com risco iminente de morte, uma Delegacia de Defesa da Mulher (DDM), a Patrulha Maria da Penha, oferece serviços de atendimento médico às violências sexuais e, na falta de um Centro de Referência da Mulher, o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS). No entanto, precisamos urgentemente de outras políticas públicas especializadas como um Serviço de Acolhimento não sigiloso para atender casos sem risco iminente de morte. Sem esses serviços, não conseguimos dar um suporte efetivo para que as mulheres rompam com o ciclo de violências.
Há, por exemplo, uma central de atendimento 24 horas?
A Casa Abrigo funciona 24 horas, mas a DDM e demais serviços da assistência social não, e isso faz com que muitas mulheres precisem esperar o próximo dia útil para pedir por ajuda, e sabemos que nem todas conseguem se manter protegidas até lá. No momento da violência, a qualquer hora é possível ligar para a polícia militar, 190, ou para a guarda municipal, 153.
Como é feito o acolhimento às vítimas?
O acolhimento começa em qualquer espaço que essa mulher peça por ajuda, por isso precisamos conhecer a rede de atendimento. Se uma mulher está ferida devido à violência, é importante que acesse um serviço de saúde, se não, pode optar por imediatamente fazer a denúncia na Delegacia de Defesa da Mulher ou Delegacia comum, ou procurar pelo CREAS mais próximo, onde ela pode receber orientações e escuta qualificada. A partir disso, é feita uma avaliação de riscos junto à mulher e, se há risco iminente de morte, é oferecida a ela a possibilidade de ir para a Casa Abrigo para que possa ficar protegida, acompanhada ou não pelos filhos.
Além de acolher e apoiar, é necessário oferecer atendimento psicológico, certo?
Sim, é de extrema importância que essa mulher receba um atendimento especializado. Para as mulheres na Casa Abrigo, ofereço atendimentos para acolhimento e orientações, com o objetivo de fortalecimento de sua autoestima e autonomia, para garantia de seus direitos. No CREAS, esse trabalho é continuado após desacolhimento. Fora desse espaço, quando atuo como psicóloga clínica, percebo que o atendimento em psicoterapia individual ou em grupos também colabora muito para enfrentamento dessa situação que muitas vezes envolve episódios de ansiedade, depressão, dificuldades em relacionamentos interpessoais, entre tantos outros.
Após as etapas de apoio, como se dá o atendimento da ONG Recomeçar?
Executamos hoje a Casa Abrigo, um Serviço de Acolhimento Institucional sigiloso para mulheres em situação de violência com risco iminente de morte, acompanhadas ou não por seus filhos. É “o último recurso” que uma mulher em situação de violência acessa. No período de acolhimento é feito acompanhamento por equipe composta por psicóloga, assistente social, educadoras sociais e advogada, que auxilia a pedir medidas protetivas de urgência e a acessar os demais serviços necessários para garantia de seus direitos e enfrentamento da situação de violência após desacolhimento.