A vida pode começar aos 40 anos
Nas últimas semanas, o debate sobre o etarismo dentro das faculdades e universidades veio à tona, após três universitárias debocharem de uma colega de classe, que tem 45 anos. A colega em questão é Patrícia Linares, que no começo deste mês, no dia 2, revelou ter ganhado uma bolsa para estudar inglês por duas semanas […]
Reportagem de: O Diário
Nas últimas semanas, o debate sobre o etarismo dentro das faculdades e universidades veio à tona, após três universitárias debocharem de uma colega de classe, que tem 45 anos. A colega em questão é Patrícia Linares, que no começo deste mês, no dia 2, revelou ter ganhado uma bolsa para estudar inglês por duas semanas no Reino Unido.
Após toda a repercussão do caso, ela tem usado as redes sociais para encorajar outras pessoas com a mesma faixa de idade, ou até mais velhas, a estudarem e correrem atrás dos sonhos, independentemente de quais eles sejam e da idade.
O recado que Patrícia tem transmitido por meio das postagens pode ser útil para muitos moradores de Mogi das Cruzes. De acordo com o último Censo da Educação – divulgado pelo Ministério da Educação (MEC) no ano passado, com base nos dados de 2021 – a cidade conta com 2.911 pessoas mais de 40 anos no Ensino Superior. O número representa 12% do total de estudantes da graduação, que são 24.214.
Uma dessas alunas é Patrícia Alves, que aos 49 anos cursa o sétimo período de Psicologia na Universidade de Mogi das Cruzes (UMC). Ela colocou em prática um antigo sonho de estudar (leia ao lado).
O etarismo
Jornalista, professor e mestre em comunicação e Cultura Midiática, João Fortunato ressalta que é importante aproveitar o infeliz episódio de preconceito na universidade para colocar em evidência o etarismo. O debate precisa ser ampliado, já que ele acontece em diferentes locais, como no mercado de trabalho.
“O preconceito com os ‘jovens veteranos de cabelos brancos’ começa mesmo nesta faixa de idade, aos 40 anos. Não é novo e nem foi inaugurado por estas garotas recém-saídas da adolescência. Existe há tempos e é praticado rotineiramente em diferentes setores da sociedade, porém, é acentuado no mercado de trabalho. Nele, o etarismo, como é denominado este tipo de preconceito, é driblado de forma tão sutil que fica até difícil de ser comprovado”, comenta.
Fortunato diz que é interessante observar a movimentação que aconteceu após o caso, quando uma corrente de indignação e solidariedade se formou nas redes sociais.
Os protestos fizeram parecer que o preconceito com a idade é algo inusitado, que até então era desconhecido pela sociedade.
“O que essa indignação revela, em boa parte, é a hipocrisia, pois a estupefação foi manifestada também por aqueles que praticam o etarismo em suas empresas, porém, lá o fazem de maneira sutil, sem que possa ser tipificado. Nas plataformas profissionais ele salta aos olhos!”, afirma.
Para ele, é fundamental que chegue ao fim o etarismo. Mesmo porque, a não ser que aconteça uma tragédia, todos chegarão aos 40 anos. “E se nada for feito até que completem esta idade, possivelmente sofrerão os mesmos e lamentáveis problemas. Inclusive as jovens estudantes que, ainda que pelo péssimo exemplo, suscitaram essa importante discussão”, finaliza.
Entenda o caso
Diariamente o etarismo pode ser visto em diferentes situações e no Ensino Superior isso não é diferente. O caso de Patrícia teve grande alcance porque as universitárias filmaram o próprio preconceito e publicaram na internet.
Em um vídeo que começou a viralizar nas redes no dia 10 de março, três estudantes falavam sobre Patrícia, que até então era colega de classe delas. Nas imagens, é possível ver quando uma das universitárias diz “Gente, quiz do dia: como ‘desmatricula’ um colega de sala?”. Uma delas responde: “Mano, ela tem 40 anos já. Era para estar aposentada”. “Realmente”, afirma a terceira envolvida.
Após o episódio, além de garantir que não pararia de estudar, por ser um sonho de adolescência, Patrícia registrou boletim de ocorrência por injúria e difamação. As outras três universitárias, que são todas maiores de idade, desistiram do curso na semana seguinte.
Quando divulgou que ganhou a bolsa pra estudar no Reino Unido, Patrícia escreveu: “Quando algumas garotas tiram sarro de você na faculdade por você estudar depois dos 40 anos e… você realiza o SONHO de estudar fora”.
Ela ainda usou o momento para incentivar outras pessoas. “Então, eu gostaria, assim, olha, que vocês investissem na educação. Você que tá pensando e não tem coragem, você que é o seu sonho, você que não quer por causa da idade, então vamos fazer o seguinte? Idade não nos define. A idade é só um número. Então vamos colocar nosso sonho pra correr porque a vida não espera. Então a gente tem que passar, assim, brilhando, estudando, aprendendo e evoluindo”, disse a estudante no vídeo.
Patrícia questionou: e eu?
Os empecilhos da vida foram cruciais para que Patrícia Alves não conseguisse concluir os estudos durante a juventude. Ela repetiu o que na época era a 7ª série do Ensino Fundamental, hoje chamado de 8º ano, e, então, parou de estudar. Quando amadureceu mais um pouco, terminar os estudos e ingressar em uma faculdade se tornou o sonho dela. Hoje, aos 49 anos, ela tem bolsa integral na Universidade de Mogi das Cruzes (UMC), onde cursa o sétimo período de Psicologia.
Voltando ao passado, Patrícia conta que durante a infância e adolescência mudou muitas vezes de casa, quando ainda morava em São José dos Campos. Os bairros eram longe um do outro e, por isso, ela também tinha que mudar de escola. Isso a impedia de criar laços e, consequentemente, a desencorajava de ir para a escola todos os dias.
“Com 15 anos eu já tive meu primeiro emprego fichado e, anos atrás, era tudo muito diferente. A minha mãe via que eu tinha minhas responsabilidades e aceitou o fato de eu não estudar. Depois de um tempo, eu tinha vontade de estudar, mas isso era como uma caixinha que eu tinha fechado e achava que não era mais para mim”, conta.
Patrícia sempre trabalhou no comércio, muitos anos em supermercados. Ela se casou e teve três filhos: Isac, de 27 anos e que cursa engenharia; Débora Alves, de 22 anos, que é pedagoga e Pedro Henrique, de 16 anos, em idade escolar. Com o casamento e a maternidade ela sempre deu preferência aos assuntos familiares. No âmbito profissional, não chegava a almejar outras vagas que não fossem no comércio, já que não tinha os ensinos Fundamental e Médio completos.
“Quando nos tornamos mães, vamos abrindo mão de algumas coisas, porque preferimos dar aos filhos. Eu sou muito feliz que os meus são muito dedicados aos estudos. Mas, conforme eles vão crescendo, dá para voltar a pensar na gente. Eu comecei a questionar ‘e eu?”, lembra Patrícia.
Foi por meio da Educação de Jovens e Adultos (EJA) que, 17 anos atrás, ela conseguiu, então, concluir o Ensino Médio. Quando foi pegar o diploma, descobriu que tinha se formado com uma boa nota, o que a tornaria apta a tentar uma vaga na faculdade. Isso a deixou animada e, em 2015, ela decidiu prestar o Enem. Em 2018 ela fez a prova novamente, desta vez para valer, e a nota a deixou em condições de conseguir uma bolsa integral por meio do ProUni.
“Foi a partir dali que eu comecei a me orgulhar de mim. Mesmo tendo concluindo o Ensino Médio tantos anos depois, eu ainda consegui uma boa nota e uma bolsa integral. Isso me animou demais para que eu pudesse realizar o sonho que tinha de cursar Psicologia”, diz.
Logo que as aulas começaram, em 2020, a pandemia do novo coronavírus chegou ao Brasil. Patrícia, então, precisou vencer mais um obstáculo, que eram as aulas à distância. Ela estava empenhada e conseguiu continuar até que o ensino voltasse a ser presencial, como está atualmente. Moradora de Suzano, ela se desloca para Mogi todos os dias para estudar.
Na sala de aula, se deparou com uma turma muito mais nova, com estudantes que têm entre 20 e 22 anos. Ela não nega que teve certo receio inicialmente, de que poderia enfrentar algum preconceito ou até mesmo de não conseguir se enturmar. Mas Patrícia lembra que logo no primeiro dia de aula os colegas de classe se mostraram empáticos e, até então, não sofreu com o etarismo. Agora, ela não vê a hora de começar a atender seus futuros pacientes.
Dom culinário
Aos 59 anos de idade, José Roberto Provinciano decidiu que passaria servir refeições em um rancho em Biritiba Mirim. A culinária sempre esteve presente na vida dele, mas de maneira mais informal. Então, para conseguir atrair mais clientes e servir pratos mais profissionais, ele decidiu que faria um curso de gastronomia em uma escola de Mogi das Cruzes.
“As coisas evoluíram muito e os clientes se tornaram muito mais exigentes. Se você vê o cardápio de um restaurante de 20 anos atrás, é completamente diferente. E eu abri o rancho com a intenção de levar o melhor para o meu público. Eu sirvo as refeições somente aos finais de semana, então, preciso fazer tudo muito bem feito”, afirma Provinciano.
Ele conta que na sala em que estuda cerca de 50% dos alunos já são mais velhos e que por parte dos mais novos existe bastante respeito. Provinciano costuma até ajudar os jovens, já que ele já tem certa experiência na cozinha e serve semanalmente pratos como feijoada, strogonoff e dobradinha em seu rancho. “Eu não tive receio de voltar a estudar, porque era uma vontade minha. Eu montei o rancho porque não quero ficar parado e sonho. Fazer o curso é fundamental para eu me aprimorar e conquistar os clientes”, finaliza.