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Sylvio Pires foi testemunha privilegiada do crescimento de Mogi das Cruzes

O advogado Sylvio da Silva Pires, que faleceu aos 91 anos, nesta sexta-feira (23), foi testemunha privilegiada do crescimento social e econômico de Mogi das Cruzes, a partir da metade do século passado. Foi um dos formandos da primeira turma de Direito, da Universidade Braz Cubas, vereador e secretário de confiança do prefeito Waldemar Costa […]

23 de junho de 2023

Reportagem de: O Diário

O advogado Sylvio da Silva Pires, que faleceu aos 91 anos, nesta sexta-feira (23), foi testemunha privilegiada do crescimento social e econômico de Mogi das Cruzes, a partir da metade do século passado. Foi um dos formandos da primeira turma de Direito, da Universidade Braz Cubas, vereador e secretário de confiança do prefeito Waldemar Costa Filho. Na série Entrevista de Domingo, foi ouvido pela jornalista Carla Olivo em outubro de 2004. Ele estava com 72 anos, e veria muito mais dos rumos da Mogi das Cruzes que ele amou como poucos.

Confira a seguir a íntegra da Entrevista de Domingo concedida pelo sãopaulino Sylvio da Silva Pires, que atuou, entre outras coisas, durante os estudos para a elaboração do primeiro Plano Diretor de Mogi das Cruzes, e em obras como a abertura da Mogi-Dutra, que tratou de incluir a cidade na roda econômica do Estado de São Paulo, do Parque Municipal.

CARLA OLIVO 

Os bons tempos dos mergulhos no Ribeirão Ipiranga e no Rio Tietê, do ‘footing’ na Praça Oswaldo Cruz, do mandato como vereador na Câmara Municipal – quando não havia remuneração para o cargo -, do trabalho no Cartório, no Fórum de Mogi e na chefia de gabinete da Prefeitura ajudam a contar a história do mogiano Sylvio da Silva Pires, 72 anos. Formado em 1958 no curso de Contabilidade do Liceu Braz Cubas, ele estudou Direito e Estudos Sociais na Universidade Braz Cubas (UBC) e, em 1963, foi eleito vereador da Câmara de Mogi das Cruzes. Em 1969 passou a trabalhar como chefe de gabinete do ex-prefeito Waldemar Costa Filho – que acompanhou em seus quatro mandatos – participando ativamente de obras como a construção das rodovias Mogi-Dutra e Mogi-Bertioga. Depois de atuar como contador do Cartório Distribuidor, Pires passou ao Fórum de Mogi, onde trabalhou até se aposentar, em 1986, após 40 anos de serviços. Desde 2001, ele se dedica ao trabalho na Universidade Braz Cubas (UBC), onde hoje ocupa o cargo de assessor da Reitoria. Envolvido com as questões da Cidade, Pires faz parte do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico (Comfaph). Em entrevista a O Diário, o mogiano revive suas histórias na Cidade.  

 

O Diário – Como foi sua infância na Cidade?  

Sylvio da Silva Pires – Nasci em um casarão que hoje não existe mais, na Rua Senador Dantas, ao lado do Beco do Sapo. Passei a infância ao lado dos meus pais (Francisco da Silva Pires e Maria da Penha Pires). Católicos praticantes, eles passaram essa fé a todos os filhos. Éramos em 10 irmãos (Terezinha, Carlos, José, Francisco e Luiz – já falecidos – eu, Paulo, Emílio, João e Roberto). Papai era funcionário público municipal e trabalhou muito na Igreja, por isso recebeu uma Comenda Papal que lhe foi entregue pelo bispo diocesano dom Paulo Rolim Loureiro. Por várias vezes também foi eleito Prior da Ordem Terceira do Carmo. Mamãe era muito inteligente e como meu pai lutava para sustentar a família, ela fazia a escrituração aos produtores rurais que traziam suas mercadorias para vendê-las na Cidade. Ela faleceu aos 55 anos, quando ainda tinha muitos filhos solteiros, então, minha irmã Emília, ainda nova, arregaçou as mangas e assumiu os cuidados da casa e de todos.  

 

O Diário – Como era Mogi naquela época? 

Pires – Como naquele tempo as crianças podiam ficar à vontade pelas ruas, brincava no Largo do Carmo e ia do Centro até a Vila Oliveira a pé. Nadávamos no Ribeirão Ipiranga, que tinha peixes e água limpa e também gostava de freqüentar o coxo do Tietê, nos fundos do Clube Náutico, onde as pessoas brincavam, principalmente depois das peladas. O Tietê era bem fundo, mesmo porque não havia assoreamento e podíamos até beber sua água.  

 

O Diário – Qual foi seu primeiro emprego? 

Pires – Fiz o Primário no Coronel Almeida, onde estudei até os 12 anos, mas aos 10, já trabalhava como ajudante geral no jornal O Liberal, onde meu irmão era tipógrafo. Tive vários empregos e foi uma história de muita luta, principalmente porque tinha meus irmãos mais novos e precisava ajudar em casa. Aos 16 anos, conclui o curso técnico de marcenaria no Senai e aos 19, fiz o Ginásio no Liceu Braz Cubas, onde participei da fanfarra que disputava competições acirradas com o grupo do Washington Luís e chegava a ensaiar às escondidas para evitar que algum espião copiasse os toques. Estudei Contabilidade e também trabalhei no 1º Cartório, onde hoje meu irmão Roberto é o tabelião. Meu irmão João também trabalhou lá, o Francisco era ex-combatente da FEB (Força Expedicionária Brasileira), o Paulo foi procurador jurídico da Prefeitura e o Luiz era funcionário público também da Prefeitura. 

 

O Diário – Quando o senhor iniciou na política? 

Pires – Aos 31 anos, em 1963, fui eleito vereador e tudo começou quando meu amigo, José Pinheiro Franco, que jogava bola comigo, me falou que estava criticando os políticos de Mogi para seu irmão mais velho, o Djalma, que era desembargador, e ele o aconselhou que deveria ir até a Câmara para tentar fazer algo. Isso ficou marcado, mas o José só sairia candidato se eu também fizesse isso, então, disputamos a campanha pela coligação PTN e PSD e fomos eleitos. Fiquei na Câmara até 1968, cumprindo o mandato de 5 anos.  

 

O Diário – Como foi trabalhar na Câmara nesta época? 

Pires – Nós trabalhávamos bastante, não tínhamos salário e nem assessores. Cada vereador datilografava à máquina as indicações e projetos. Naquela época, o prefeito era o Carlos Alberto Lopes e lembro que fazia oposição à política dos Lopes, apesar de nunca ter sido um opositor radical. Cheguei até a ser convidado para ocupar o cargo de secretário em seu governo, agradeci mas não fui.  

 

O Diário – Quais foram seus principais trabalhos na Câmara? 

Pires – Foi a implantação do Plano Diretor de Mogi, porque existia uma lei que obrigava os municípios a tê-lo sobre pena de multa. Comecei a promover reuniões na Câmara e a convidar pessoas de São Paulo para trabalhar nisso, como o arquiteto da Aços Anhangüera, Frederico René de Jaegher, que era um bom planejador. O movimento eclodiu, foi aprovado e formamos a primeira Comissão Municipal de Planejamento, da qual fiz parte como secretário, assim como o Dr. Jaegher, que era o chefe do escritório técnico e posteriormente foi aproveitado na Prefeitura. Esta comissão contava com o bispo dom Paulo Rolim Loureiro, Isaac Grinberg, Dr. Milton Cruz, entre outros. 

 

O Diário – Como ficou o trabalho durante a Revolução de 64? 

Pires – Continuamos trabalhando, mas ficamos naquele clima pesado porque sem mais nem menos nos levavam para São Paulo e como conseqüência, os vereadores ficaram 10 anos, anualmente, prestando informações. Recebíamos um questionário pelos Correios, assinado por um militar e exigindo a remessa de documentos, principalmente relatórios de bens para comprovar que não tínhamos enriquecido ilicitamente.  

 

O Diário – Depois do primeiro mandato, o senhor foi reeleito? 

Pires – Em 1968, o Waldemar (Costa Filho, ex-prefeito), era candidato a vice ao lado dos Lopes, mas brigou e decidiu lançar sua própria candidatura. Na época, me convidou para seu vice, mas eu era vereador, gostava do que fazia e achava que poderia ser reeleito, já que tinha feito um trabalho voltado aos interesses coletivos. Só que não fui reeleito, o Waldemar ganhou a eleição e me chamou para ser seu chefe de gabinete. Modéstia à parte, ele gostava de mim e lembro que quando sai fez até uma festa, na qual recebi uma fita-cassete da Rádio Diário com entrevistas desta época e assinada por todos os repórteres.  

 

O Diário – Como era ser chefe de gabinete do Waldemar? 

Pires – Era como um secretário de imprensa da Prefeitura porque datilografava as notícias e as mandava diariamente aos jornais. Além disso, havia as funções políticas e lembro que às vezes chegava algum figurão da Cidade e conhecendo o Waldemar, na maioria das vezes nem falava com ele por interfone. Ia até sua sala anunciar pessoalmente a visita, mas ele dizia alto que não iria atendê-la e eu precisava me virar. Estas variações de humor nos colocavam em saias justas. Já houve casos em que aos gritos ele dizia que não iria atender fulano, mas depois de alguns segundos, dava de cara com a pessoa na porta e a cumprimentava. Como o Waldemar não gostava de ir a lugar algum, sempre me mandava representá-lo nos eventos, assim como na inauguração da Apae (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais de Mogi), onde inclusive cortei a fita. 

 

O Diário – O senhor já se desentendeu com o Waldemar? 

Pires – Eu o representava nas reuniões e eventos do Rotary Club, e um dia, uma pessoa de lá me questionou porque o prefeito não prestigiava os eventos. Quando o Waldemar me pediu isso novamente, numa ocasião em que estava com o engenheiro Aroldo Pavan em seu gabinete, perguntei se não poderia mandar outra pessoa. Ele, explosivo como sempre, me xingou dizendo que esta era uma ordem. Perdi a cabeça, revidei, peguei meu material e fui embora. Só que, não demorou uma hora para o Pavan estar em casa, enviado pelo Waldemar, pedindo que eu voltasse. 

 

O Diário – O senhor assumiu outras funções na Prefeitura? 

Pires – Além de chefe de gabinete do Waldemar fui seu coordenador de Administração, cargo que hoje corresponde ao secretário de Governo. Depois, na época do Cascardo (Sebastião), fui para a coordenação de Saúde e Promoção Social, quando tínhamos o ambulatório municipal, onde vários médicos da Cidade iniciariam suas carreiras, e um abrigo de idosos. Em seguida, fui para a coordenação de obras e no segundo mandato do Waldemar voltei à chefia de gabinete e assumi a presidência do Conselho Municipal de Turismo. Foi aí que comecei a perseguir a idéia de construção de um monumento na Serra do Itapeti. 

  

O Diário – Por que até hoje este projeto não saiu do papel? 

Pires – Ainda no primeiro mandato do Waldemar foi feito o projeto de construção de uma cruz no Pico do Urubu, mas até hoje, após 34 anos, ele não saiu das prateleiras da Prefeitura. Ninguém ousa mexer nestes cálculos, feitos pelos engenheiros John Ulick Burk e Miguel Gemma. Como na época não havia recursos de informática na Cidade, eles levaram o projeto à USP (Universidade de São Paulo) para a conferência computadorizada. Era uma cruz com 42 metros de altura, em concreto armado, mas fazer um projeto naquele ponto fica mais caro do que construir uma praça na Cidade devido às dificuldades impostas pela estrada. Espero que um dia, algum prefeito encare isso porque seria uma referência ao nome de Mogi das Cruzes, em um dos pontos mais altos da Cidade.  

 

O Diário – Quais obras o senhor acompanhou na Cidade? 

Pires – Uma das grandes conquistas foi o Parque Municipal. No tempo do Tiro de Guerra, em 1951, fazíamos marchas e abríamos trincheiras naquela área. Um dia, o Waldemar pegou seu fusca, foi comigo olhar o local e gostou. Assim, surgiu o Parque, que aos finais de semana recebia muitos mogianos, e contou inclusive com teleférico. Criamos lagos e ali colocamos aves vindas do Zoológico de São Paulo, além dos paturis que se fixavam nas trilhas. Lembro que fizemos ainda um forte apache com um restaurante. Até entendo os problemas ecológicos, mas se houvesse um controle maior dos visitantes, talvez o Parque pudesse ser reaberto ao público.  

O Diário – Como o senhor acompanhou a construção da Mogi-Dutra e Mogi-Bertioga? 

Pires – O Waldemar falava que a Mogi-Dutra era seu maior desafio no primeiro mandato e lembro que o projeto, que seria custeado somente pela Prefeitura não tinha obras de arte e acompanhava as encostas a fim de ficar mais barato. Eu trabalhava para pedir aos proprietários a doação de áreas por onde passaria a estrada. A Cúria e o Dr. Saulo de Abreu foram os primeiros a colaborar. Tenho fotos desta época, ao lado do Dr. Jamil (Hallage), que era secretário de obras. Lembro que acompanhava todas as vistorias e uma vez, o Waldemar me pediu fotos aéreas do trabalho, então, a Cia. Suzano nos emprestou o helicóptero, que voou sem a porta e por isso tive de ficar preso somente com um cinto e a máquina a tiracolo. Já na Mogi-Bertioga, sempre acompanhava os grupos que visitavam a obra e inclusive estava no dia do trágico acidente com o vereador Narciso Yague Guimarães. 

O Diário – Quais as lembranças deste dia? 

Pires – Foi um fato marcante porque descemos a serra até onde era possível, com três caminhonetes. Na volta, o veículo que trazia o Narciso, o Marcos Gonçalves, o Luiz Beraldo de Miranda e o Silvio de Miranda, tombou em uma subida. Jogado para o lado de fora, o Narciso entrou em coma na hora. Lembro que o Silvio de Almeida ficou dentro da cabine com o couro cabeludo exposto e quebrou a bacia, mas o Narciso, apesar de socorrido com a ajuda do Boy (deputado federal Valdemar Costa Neto), não sobreviveu.  

O Diário – Quando o senhor saiu da Prefeitura? 

Pires – Em 1980 sai da Prefeitura para assumir o Cartório no Fórum de Mogi. Depois do mandato como vereador não quis mais saber de política, porque já tinha sentido o sabor da vitória e também o dissabor da derrota e acho que em Mogi há muita gente boa, que deveria entrar para a política, mas teme concorrer às eleições. Perder não pode ser considerado desmérito para ninguém, o importante é manifestar a vontade de fazer algo.  

 

O Diário – O senhor tem algum hobby? 

Pires – Sou torcedor do São Paulo e joguei futebol muitos anos pela Associação dos Servidores da Justiça, além de ser campeão de vôlei pelo Náutico. Também participei da Seleção de Mogi, disputando os Jogos Abertos e na Chácara Duque, que pertence à família da minha mulher, os jogos de vôlei eram realizados duas vezes por semana, reunindo muitos dos grandes jogadores de Mogi. Hoje ainda gosto de jogar vôlei, assim como tênis. Em 1964, eu e alguns amigos fundamos o Clube dos 20 – Caça, Pesca e Náutica, próximo ao Náutico 

 

O Diário – Como o senhor conheceu sua esposa? 

Pires – Conheci a Neiva no footing da Praça Oswaldo Cruz. Além de bonita, ela é uma companheira decidida, qualidade que acredito ter sido herdada de minha sogra. Namoramos seis anos e nos casamos.  

 

O Diário – O que o senhor gosta de fazer hoje? 

Pires – Hoje me dedico à família. Considero meus filhos pessoas exemplares. A Sylvania é mulher de grande valor, inteligente, dedicada esposa e avó. Além de seu trabalho na UBC, dirige o Conselho Feminino da Associação Comercial e junto com o Saul, que é pró-reitor da UBC, ministra cursos de batismo na Paróquia Cristo Rei. Meu filho Sylvio tem cidadanias brasileira e americana e atua como comandante de Boeing 747-400. A família Pires é grande, mas no Natal todos se reúnem em uma confraternização. 

 

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