Lideranças da cidade se mobilizam em defesa dos moradores do Dr Arnaldo
Famílias de pacientes portadores de hanseníase que foram apartadas do convívio social e internados de forma compulsória no hospital Dr. Arnaldo Pezzuti Cavalcanti, em Jundiapeba, estão recebendo aviso de despejo por parte do Estado, que quer de volta as casas construídas no hospital, no século passado, para acomodar essas pessoas. O isolamento dos pacientes foi […]
Reportagem de: O Diário
Famílias de pacientes portadores de hanseníase que foram apartadas do convívio social e internados de forma compulsória no hospital Dr. Arnaldo Pezzuti Cavalcanti, em Jundiapeba, estão recebendo aviso de despejo por parte do Estado, que quer de volta as casas construídas no hospital, no século passado, para acomodar essas pessoas.
O isolamento dos pacientes foi uma medida adotada pelo governo em uma época que o país enfrentava um surto de hanseníase e, diferentemente do que acontece hoje, não havia tratamento para a doença contagiosa, que estava se disseminando e provocando muitas mortes.
A maioria desses moradores, descendentes de pacientes que já morreram, entende que tem o direito de permanecer no local até por uma dívida social e moral que o Estado tem com essas famílias, por tudo o que aconteceu no passado.
Porém, a Justiça não atendeu aos apelos e concedeu ganho de causa à ação de reintegração de posse movida pelo governo do Estado, que agora pede a devolução dos imóveis.
A decisão de retomar as casas foi confirmada pela Secretaria de Estado da Saúde na última semana. “Após o falecimento do paciente, que possui concessão ao uso exclusivo da moradia, os familiares são orientados a devolver o imóvel para o Estado”, informa. A Procuradoria Geral do Estado esclarece que, em ação judicial, os autores pretendiam que governo mantivesse, em caráter vitalício, suas residências, porém, “a ação foi julgada improcedente, tendo a decisão transitado em julgado, ou seja, não cabe mais recurso”.
A advogada de um grupo de moradores do local, Raquel Rondom, disse à reportagem de O Diário, no entanto, que acredita que uma intervenção política poderia ajudar a encontrar uma saída para essa situação. Ela conta que está estudando uma forma de reverter esse processo, mas diz que a situação é complicada. “A área do hospital, que era de propriedade da Santa Casa de São Paulo, cedida na época ao Estado para uso por 100 anos, foi vendida para a mineradora Itaquareia, que quer a desocupação do espaço”, explica.
Ela conta que mesmo tendo perdido a ação de usucapião contra a reintegração de posse, que tramitava na Justiça há alguns anos, os moradores tinham conseguido um tempo maior para permanecer no local por causa da Covid-19, que proibia ações de despejo. Agora, a situação muda porque envolve uma empresa privada.
Na avaliação dela “seria injusto os moradores serem despejados porque, além de terem sofrido na época em que tiveram que se isolar do convício social, eles sofrem até hoje com problemas de discriminação porque a doença ainda é mal compreendida por muita gente”.
Caso não consiga impedir os despejos das famílias do hospital fundando em 1928 como ‘Leprosário Santo Ângelo’, a advogada sugere a inclusão dessas pessoas em programas habitacionais do Estado o pagamento de indenização para que possam adquirir um imóvel em outro local.
Ela acredita, no entanto, que esse caso poderia ser resolvido politicamente, com ajuda de lideranças da cidade e da região, que já estão se movimentando nesse sentido (veja abaixo).
A representante do Movimento de Reintegração de Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan), Nádia Ocinschi, afirma que é interesse da entidade “resolver a situação e defender os remanescentes da compulsória e os descentes daqueles que sofreram no tempo em que não tinha nem medicamento para isso”. Ela defende também a preservação do acervo patrimonial no local, que conta com teatro, cinema, igreja, vila de moradores e área hospitalar.
O tema será tratado em um encontro promovido pelo Movimento, no próximo dia 27 de maio, no Dr. Arnaldo.
Câmara se mobiliza em defesa dos moradores
Os vereadores da Câmara de Mogi já começam a se mobilizar em defesa da preservação das edificações do hospital Dr. Arnaldo Pezzuti. Além de manter as casas e toda estrutura arquitetônica do local, como teatro, cinema, igreja e outras edificações, que já estão, inclusive, tombadas pelo patrimônio histórico, os parlamentares também querem ampliar as discussões sobre a preservação do cemitério construído para enterrar os corpos das pessoas que morriam por causa da doença.
Nesta semana, Iduigues Martins (PT) apresentou um projeto de lei na Câmara, propondo a criação de uma Comissão Especial de Vereadores (CEV) para acompanhar as discussões e buscar uma solução para esses problemas.
“Nosso objetivo é discutir com o governo do Estado a situação do cemitério, que está abandonado, falar sobre o patrimônio arquitetônico e histórico que tem no local, como a igreja, o teatro e o cinema. Vamos acionar os deputados de vários partidos políticos que têm algum tipo de interface com a região para que seja proposta a recuperação e preservação daqueles prédios e das moradias das famílias, que já estão ali há décadas”, enfatiza.
O petista também está em contato com os representantes do Movimento de Reintegração de Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan), que devem se reunir ainda neste mês para tratar desse assunto.
O vereador Francimário Vieira e Macedo – Farofa (PL) é outro que também está envolvido com o caso.
Na última semana, ele participou de uma audiência com o deputado estadual Marcos Damasio (PL), na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), para tratar do tema e pedir a ajuda do parlamentar em defesa dos moradores.
O deputado Damasio, por sua vez, informa que já solicitou uma audiência com representantes da Secretaria de Estado da Saúde para discutir uma saída para todas as questões que envolvem a preservação do hospital Dr. Arnaldo.
Antigo leprosário
O Hospital Dr. Arnaldo Pezzuti Cavalcanti, localizado no distrito de Jundiapeba, foi fundado em 1928, para atender portadores de hanseníase, uma doença bíblica que era conhecida como lepra, motivo pelo qual o local era chamado de “Leprosário Santo Ângelo”.
Na época, o país passava por uma epidemia da doença e uma das formas adotadas então pelo Estado para controlar a situação foi o isolamento dos pacientes de forma compulsória em hospitais-colônia, construído nos moldes da unidade instalada em Mogi.
De acordo com dados históricos pesquisados na internet, a proposta partiu de um pensamento trazido da Europa, onde o isolamento em milhares de leprosários teria extinguido a moléstia.
O projeto de um leprosário-modelo foi apresentado por Emílio Ribas, médico sanitarista, sendo a partir desses estudos e orientação técnica que surgiu o Asilo-Colônia de Santo Ângelo.
O hospital instalado em Mogi ainda mantém uma vila de moradores, a maioria descendentes de pacientes qujá faleceram em decorrência da doença. São três núcleos habitacionais, um deles ocupado por funcionários.
O local, que conta com teatro, igreja e cinema, passou a atender como hospital geral em meados da década de 1980.