Alunos do Rondon “indignados” reclamam dos prejuízos com escolas irregulares de Mogi
Caso envolve mais de 450 estudantes do Rondon, representados em uma ação civil movida pelo Ministério Público
Liceu Rondon em Mogi das Cruzes | Google Maps/Reprodução
Reportagem de: O Diário
Os sentimentos de frustação, indignação e revolta são os mais citados entre os alunos que se esforçaram, gastaram tempo e dinheiro, mas não vão ter direito ao diploma e a nenhuma certificação dos cursos que estavam frequentando no Liceu Rondon e no Colégio Marechal Rondon, em Mogi das Cruzes. O caso envolve mais de 450 estudantes, representados em uma ação civil movida pelo Ministério Público, que está tutelando o direito dessas pessoas e pedindo indenização de R$ 1,9 milhão para abarcar todos esses danos e as condutas que configuram crime de relação de consumo.
No Liceu Rondon, 335 alunos estavam matriculados em cursos técnicos, tendo efetuado matrículas e mensalidades, com médias aproximadas, respectivamente, de R$ 250,00 e R$ 392,22, pelo prazo de 12 a 18 meses. O MP informa que tem mais 118 estudantes do Colégio Marechal Rondon, que oferece ensino fundamental e médio, na mesma situação. As duas escolas são de propriedade do empresário Pablo Monteiro, dono também do Núcleo Técnico em Saúde (Netes) e do Colégio Integrado Mogiano, outros estabelecimentos investigados pelos mesmos motivos.
“Além do dinheiro, tem o emocional. Estamos lidando com sonhos, que foram interrompidos. Não foi fácil estudar quase dois anos e não conseguir concluir. Tinha boas notas, era uma boa aluna, mas perdi meu tempo estudando para nada. Queria resolver tudo, esquecer e seguir em frente, porque tudo foi muito frustrante”, lamenta Tatiana Rodrigues de Siqueira, de 27 anos, que pagou R$ 379,00 por mês durante mais de um ano para fazer o curso de técnico de enfermagem, obter o registro profissional e atuar na área.
Ela conta que começou a fazer o curso técnico em enfermagem no início de 2021 no prédio do Netes, na região da Vila Rubens, enquanto esperava a inauguração do novo Liceu Rondon, construído na rua Francisco Franco. “No início, a gente participava de muitas reuniões com o Pablo, para falar sobre prazos para mudar para o novo prédio, onde seriam instalados laboratórios e outros recursos necessários para alunos que fazem cursos como o meu, de enfermagem, e para outros técnicos”, disse.
Passados alguns meses, em maio do ano passado, houve a mudança para o prédio novo e, quando chegaram ao Liceu, os alunos constataram que o local ainda não contava com laboratórios, mas Tatiane conta que a direção da escola dizia aos estudantes que houve demora porque tudo estava sendo providenciando com a orientação da Diretoria Regional de Ensino (DRE).
“A gente continuou confiando, estudando, mas o laboratório não saia nunca. Minha sala tinha 17 alunos. O curso é de 18 meses e já estávamos concluindo os 11 meses da parte teórica de auxiliar em Enfermagem. Faltavam sete meses da parte prática e não tínhamos as aulas práticas em laboratório. O Pablo pedia prazos e mais prazos e dizia que estava negociando com a Santa Casa para fazer uma parceria para a que a gente pudesse fazer o estágio para tirar o Coren (registro no Conselho Regional de Enfermagem). Entramos em férias de 15 dias com a promessa de que tudo estaria resolvido quando a gente voltasse. Mas nesse período lacraram a escola, fecharam tudo e desde então a gente não consegue mais contato”, relata Tatiana.
Ela disse ainda que após insistências e reclamações feita pelos alunos – muitas deles acionaram o Procon de Mogi -, um escritório de advocacia da cidade os procurou para fazer um acordo. A direção da escola propôs a restituição dos valores sem juros ou correção e ainda com parcelamento. Para evitar mais prejuízo, a Tatiana, a exemplo de outros colegas, aceitou, mas também não recebeu a parte prometida. Passado algum tempo, a aluna disse que o advogado Sylvio Alkimin, que estava à frente das negociações, informou aos alunos que estava desistindo da causa e desfazendo o acordo.
O mesmo drama é vivido por Karen Cristine Souza de Oliveira, 40 anos, que também estava cursando auxiliar e técnico em enfermagem. “Mais de um ano de um sonho perdido. Agora vamos voltar a estudar e recomeçar do zero”, declama a estudante, que quer resolver essa situação, ser ressarcida dos prejuízos e seguir em frente.
Karen tem um relato parecido com o de Tatiana. Segundo ela, foram mais de R$ 3 mil investidos. “Foi tudo ilusório. Quero voltar a estudar, mas não tem como. Isso precisa ser resolvido para ter esse dinheiro de volta”, argumenta.
A aluna do curso de Podologia, Franciane Oliveira Marques Guarino, 35 anos, mora em Suzano, decidiu estudar no Liceu após ter feito pesquisas sobre o nome da escola e afirma que nunca imaginou que estava sendo enganada. O relato dela é parecido com o da colega. Ela ficou 12 meses no colégio e disse que, de julho de 2021 até dezembro, pagou R$ 290,00 mensais. No período de janeiro até julho, o valor foi de R$ 313,00.
Franciane ingressou com ação na Justiça. “Meu sentimento é de indignação, porque ele (Pablo) fazia reuniões, garantia que estava tudo sendo acertado e gente acreditou, por isso toda a turma de Podologia continuou estudando”, observa.
Porém, depois de um tempo, a direção do Liceu disse a esses alunos que precisava suspender as aulas e fechar a escola por causa da Covid-19, mas os estudantes descobriram que na verdade os cursos não estavam legalizados.
“Meu sentimento é de frustação. Moro em Suzano e nessa época estava trabalhando em Mogi como manicure. Muitas vezes, deixava de atender clientes para não perder as aulas. Tinha que estudar, chegava cansada, tomava chuva, gastei muito dinheiro com passagens, com material para o curso e no final fui enganada, como os outros. Tive que começar tudo de novo, estou fazendo um novo curso, mas perdi um ano de estudo e o dinheiro”, comenta.
Procon
Diversos alunos, “indignados” com a situação, recorreram ao Procon de Mogi. A coordenadora do órgão, Fabiana Bava, conta que a primeira queixa foi de uma estudante de Química, que deu entrada com pedido de cancelamento da matrícula e retorno dos recursos porque o curso não era legalizado.
Isso chamou a atenção da coordenadora, que começou a pesquisar a situação da escola e confirmou que realmente o curso não aparecia como autorizado no Ministério de Educação (MEC). Ela solicitou informação à DRE, que retornou dizendo que estava fazendo fiscalizações na escola, que não havia regularizado os cursos nem qualificado laboratórios.
Fabiana pesquisou a situação do colégio na Prefeitura e foi informada que o prédio não tinha alvará de funcionamento e que a equipe de fiscalização do Setor de Posturas já estava na terceira notificação e nenhuma providência havia sido tomada.
“Tentamos fazer intimações aos responsáveis que não respondem as audiências. Após o fechamento, por duas vezes, o lacre foi rompido. Houve denúncias e registro de Boletim de Ocorrência (BO) por crime de desobediência. A partir daí começaram a chegar mais reclamações e o Procon encaminhou o caso para o Ministério Público”, esclarece.
Para evitar problemas como esse, a coordenadora orienta os estudantes a pesquisarem no MEC e consultar os órgãos de ensino para se informar sobre as escolas. Ela disse que isso é necessário, porque atualmente estão sendo abertos muitos cursos sem registros.
Diretoria de Ensino
A Diretoria de Ensino de Mogi informou a O Diário que o Liceu Rondon teve a autorização de funcionamento cassada, mas informa que atualmente trabalha para regularização da vida escolar dos estudantes, para que possam retirar o diploma.
Em relação ao Colégio Núcleo de Ensino Técnico em Saúde (Netes), a Diretoria ressalta que está em andamento uma sindicância para analisar a regularidade do funcionamento da unidade. “Desde 2021, a Diretoria de Ensino trabalha junto ao Ministério da Educação de forma a mitigar as consequências geradas por escolas irregulares, conforme a legislação vigente”, diz o órgão.
Ação na Justiça contra danos
O Ministério Público de Mogi informa que a Justiça recebeu a denúncia feita na ação civil contra o Liceu Rondon e o Colégio Marechal Rondon, por irregularidades e prejuízos a mais de 450 alunos matriculados, que não terão direito à certificação por falta de registro dos cursos. O processo corre em primeira instância com pedido de R$ 1,9 milhão de indenização. As duas escolas estão fechadas.
O promotor de Justiça do Consumidor, Fernando Lupo, investiga ainda o Colégio Núcleo de Ensino Técnico em Saúde (Netes). A Diretoria Regional de Ensino também abriu uma sindicância para analisar a situação dessa unidade. Tem ainda investigação no Colégio Integrado Mogiano.
As denúncias contra as escolas Rondon chegaram ao MP pelo Procon local, órgão procurado por alunos lesados. São 335 estudantes do Liceu e 118 do Colégio Rondon.
O MP responsabiliza os empresários Pablo Monteiro Garcia, e o sócio, Rafael Toscano Silva, por danos morais coletivo e social, por não terem registro na DRE para oferecer cursos de ensino fundamental, médio e profissionalizantes nos dois estabelecimentos.
As duas escolas também não têm alvará de funcionamento do Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB), o que resultou em diversos autos de infração e culminou na interdição total dos prédios em maio de 2022.
Lupo aponta descaso dos réus ao serem notificados da instauração do inquérito civil pelo MP, “pois quedaram-se inertes, mesmo após constituírem advogado para acompanhar as investigações”.
O advogado Ricardo Rodrigues Martins Aguiar, que faz a defesa de Rafael Toscano Silva, explica que ainda está dentro do prazo para apresentar a defesa do seu cliente.
Esclarece que Rafael era sócio cotista com 1% do Liceu. “Ele não tinha direito a qualquer retirada e nunca se beneficiou com 1 centavo da empresa e provará que está sendo processado injustamente, já que toda administração da empresa competia ao sócio majoritário (Pablo). Provará também que algumas matrículas foram feitas no período anterior a 2020, e na época sequer sócio da empresa ele era”, argumenta o advogado.
O Diário aguarda um posicionamento da defesa do empresário Pablo Monteiro, que ainda não se pronunciou.
Os 335 alunos do Liceu Rondon estavam matriculados nos seguintes cursos profissionalizantes:
Administração – 23 alunos
Eletrotécnica – 46 alunos
Prótese Dentária – 53 alunos
Saúde Bucal – 41 alunos
Mecatrônica – 29 alunos
Mecânica – 59 alunos
Podologia – 13 alunos
Química – 34 alunos
Enfermagem – 37 alunos
Os cursos oferecidos e ministrados possuem duração de 12 a 18 meses, com mensalidades de R$ 250,00 a R$ 392,00.