Privacidade digital à venda: o custo real dos aplicativos grátis
Entenda a seguir as principais maneiras que as empresas de tecnologia usam para pagar a operação de aplicativos grátis
Aplicativos | Pixabay
Reportagem de: O Diário
Todo mundo gosta de economizar. Mais do que isso, é desagradável recusar brindes gratuitos, especialmente quando são úteis. Por outro lado, qualquer pessoa minimamente consciente sabe que “não existe almoço grátis” – tudo na vida tem um preço. Esse conflito entre vontade e razão se manifesta diariamente mais vezes do que gostaríamos nos aplicativos de celular e computador que escolhemos usar.
Sabemos que aplicativos como WhatsApp, Instagram, TikTok e muitos outros são produtos de empresas gigantescas, mas relativamente pouca gente se questiona como não se cobra pelo uso deles. Na verdade, eles são pagos, mas não diretamente com dinheiro.
Entenda a seguir as principais maneiras que as empresas de tecnologia usam para pagar a operação de aplicativos grátis – e qual a relação dessas maneiras com a gradual perda de privacidade digital.
Por que pagar?
Primeiramente,- há motivos bem claros para uma empresa criar aplicativos gratuitos. Apesar de ter um custo de desenvolvimento, esses programas tendem a atrair mais usuários sem custos: com mais downloads, eles ganham mais visibilidade nas lojas de apps. Assim, é mais provável que as pessoas se deem ao trabalho de testá-los, gostar e recomendar.
Isso é especialmente importante para jogos novos, ainda desconhecidos na comunidade mundial de jogadores. Também pode dar mais destaque a apps de uso pontual, como os de edição de imagens, ou essenciais, como os de VPN.
Aplicativos pagos atraem clientes mais fiéis, que querem fazer valer o pagamento, mas opções gratuitas tendem a ser mais atrativas para os usuários. Isso porque a competição entre aplicativos pode ser enorme. É mais “prático” achá-los na loja de apps, simplesmente baixar e já testar.
Monetização por anúncios
Para as empresas, a contrapartida de oferecer serviços sem custo é ter que arranjar maneiras alternativas para bancar suas operações.
Com uma base de usuários crescente, um dos caminhos naturais dessas empresas é tratar seus usuários como consumidores potenciais de outros produtos para vender espaço de anúncio.
Em alguns casos, simplesmente se vende o espaço de tela para capturar a atenção do cliente. São aqueles anúncios em banners clicáveis que aparecem em VPNs grátis, jogos e programas de edição de imagem, ocupando espaço, com uma imagem fixa e alguns dizeres. Geralmente não são personalizados e “poluem” a aparência do app.
Em outros casos, a publicidade é mais direcionada. Apps como Instagram e Facebook são notórios por coletar uma diversidade grande de dados dos usuários para formar um perfil detalhado de consumidores. Então, eles permitem que as empresas contratantes “dispararem” anúncios mais específicos e relevantes no feed do aplicativo, de maneira mais natural.
Vendas de dados e perigos dos anúncios
A coleta de dados digitais necessária para o direcionamento de anúncios é um dos grandes motivos que explicam a inferioridade de uma VPN grátis versus VPN paga.
Cada empresa tem termos específicos de coleta de dados, nem sempre muito claros. Muitas vezes, a coleta depende de rastreadores bastante invasivos e pode vender os perfis de clientes de maneira indiscriminada. Outras empresas vendem espaço em sua interface para anunciantes suspeitos, que podem colocar links danosos no banner clicável, gerando prejuízos aos usuários que clicarem (são os chamados malwares).
Em aplicativos de segurança digital, como VPNs e antivírus, isso é especialmente nocivo. Afinal de contas, o objetivo desses programas é justamente resguardar a privacidade online – ameaçada com a venda de dados a terceiros.
Portanto, é recomendável gastar tempo lendo atentamente os termos e condições de privacidade ao menos desses aplicativos antes de decidir baixar ou não. A alternativa é investir numa assinatura de um programa que não dependa da venda de dados dos usuários para prestar serviços com confiança.
Gamificação
Outra abordagem menos danosa à privacidade virtual, mas mais manipuladora é a “gamificação” dos aplicativos. Os jogos de celular trazem grandes exemplos dessa mecânica: gastar dinheiro é uma forma de obter itens mais potentes ou personagens exclusivos. Portanto, cria-se a ideia na mente do jogador de que gastar dinheiro o fará se divertir mais ao usar o programa.
Além dos jogos online, aplicativos de namoro também são famosos por “gamificar” a experiência do usuário. A famosa mecânica do Tinder de deslizar as opções de pretendentes para os lados e eventualmente obter uma recompensa (o “match”) é um recurso desse tipo. Isso torna a experiência de procurar conhecer alguém interessante muito mais divertida e leve. Além disso, o Tinder atrela mais funções nesse “jogo” mediante pagamento.
Há também abordagens mistas da gamificação com a publicidade. O famoso aplicativo educacional Duolingo é um exemplo disso, integrando aplicativos de vídeo à sua dinâmica. O engajamento com os vídeos, assistindo-os sem pular, traz recompensas no percurso de aprendizado no aplicativo.
A alternativa para não ter de assistir aos anúncios no Duolingo é bancar uma assinatura mensal. Por oferecer um formato gratuito, mas que pode ser aprimorado com pagamentos, esses aplicativos são apelidados como apps freemium (uma soma de “free”, “grátis” em inglês, com “premium”).
Conclusão
Os modelos grátis e freemium são fatos incontornáveis da economia digital atual. Nesse contexto, a transparência e a integridade de cada empresa determinarão se os aplicativos são nocivos ou não.
Como usuário de aplicativos, é muito importante ler atentamente os termos de privacidade de cada empresa antes de optar pelo download. Significa sacrificar a praticidade de conseguir um serviço novo pela loja de aplicativos instantaneamente, mas por um bem maior.