Mogi dos patrimônios: conheça os tesouros arquitetônicos e culturais da cidade
De casarões a monumentos, cada canto guarda a memória e a identidade da região; atualmente, Mogi das Cruzes possui 17 bens culturais tombados, materiais e imateriais
Cidade carrega não apenas histórias, mas também um verdadeiro tesouro arquitetônico | Foto: Divulgação
Reportagem de: Ana Lívia Terribille
Mogi das Cruzes completou 465 anos em 1º de setembro, e a cidade carrega não apenas histórias, mas também um verdadeiro tesouro arquitetônico: seus patrimônios. De casarões antigos a monumentos, cada canto guarda memória e identidade da região.
Atualmente, Mogi das Cruzes possui 17 bens culturais tombados, entre materiais e imateriais, de acordo com o Departamento de Patrimônio e Arquivo Histórico. Entre eles estão o conjunto das Igrejas do Carmo, a Pinacoteca Municipal (antiga Casa da Câmara), a Capela São Sebastião, o Museu Mogiano (Casarão do Carmo), a Escola Municipal Coronel Almeida e o Casarão do Chá, além de manifestações como a Festa do Divino Espírito Santo e grupos tradicionais de cultura popular.
Mas afinal, o que torna um espaço ou uma tradição um patrimônio? Segundo o diretor do Departamento de Patrimônio e Arquivo Histórico, Ubirajara Nunes, o tombamento representa o reconhecimento da importância histórica, cultural e arquitetônica de determinado bem, que passa a receber proteção legal.
“É elaborado um relatório técnico ou dossiê que descreve as características do bem inventariado, com levantamentos documentais que buscam caracterizá-lo como de valor histórico e cultural”, explica.
No Centro Histórico estão alguns dos principais imóveis preservados, como as Igrejas das Ordens Primeira e Terceira do Carmo, o Santuário Diocesano do Senhor Bom Jesus (Igreja São Benedito) e a antiga Casa de Câmara, que hoje abriga a Pinacoteca Municipal. Também se destacam a antiga Cadeia e Fórum, hoje sede do Comando de Policiamento Metropolitano CPAM12, a Capela São Sebastião, o Casarão do Carmo e a Escola Municipal Coronel Almeida.
Nas áreas rurais, os destaques são as capelas, a Estação Ferroviária de Sabaúna e o Casarão do Chá, que foi projetado em 1942 pelo arquiteto Kazuo Hanaoka e considerado um dos marcos da influência japonesa no Brasil.
Além dos bens materiais, Mogi também se destaca pelo patrimônio imaterial. “No caso imaterial, o grande destaque é a Festa do Divino Espírito Santo, que completou este ano 412 anos de celebração e está em processo de tombamento pelo Iphan. Também são importantes os grupos de cultura popular, como a congada, marujada e o moçambique. E, na gastronomia, o afogado, prato típico servido na Festa do Divino”, ressaltou Nunes.
Apesar da relevância, muitos desses espaços enfrentam riscos de deterioração. “Os bens culturais que necessitam de maior atenção são os imóveis e documentos históricos. O risco de deterioração é frequente, por isso se faz necessária a zeladoria destes bens para evitar danos maiores”, explicou Nunes.
Entre os projetos em andamento, ele cita a revitalização do Theatro Vasques, atualmente em obras de pintura, e futuras intervenções na Capela São Sebastião e no Centro de Cultura Antônio do Pinhal (Cecap). Dois imóveis históricos da Rua Braz Cubas, o antigo prédio do Banco Santander e o antigo Hotel Central/Pizzaria Maracanã, também passam por restauração com recursos privados aprovados pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio (Comphap).
Revitalização do Theatro Vasques | Foto: Divulgação/PMMC Revitalização do Theatro Vasques | Foto: Divulgação/PMMC
Casos marcantes de restauro também ajudam a contar a relação da cidade com sua memória. “A revitalização do Teatro Municipal no ano de 2002, em seu centenário, trouxe de volta o nome original Theatro Vasques. Foi um trabalho muito importante, realizado sob a coordenação do professor Jurandyr Ferraz de Campos, que marcou a história da cidade”, lembrou o diretor.
Patrimônio como identidade
Para o diretor, o maior desafio não é apenas a questão financeira ou estrutural, mas sim o pertencimento da população. “O maior desafio é fazer os cidadãos reconhecerem que o patrimônio cultural é um bem de todos, independentemente de ser uma propriedade privada ou pública. A partir deste pertencimento, por meio deste amor pela cidade, é que se entende o sentido de cuidar e preservar nossos bens”, afirma.
Ele também reforça o papel desses bens para a identidade mogiana. “Os bens culturais são um legado de todos nós e das futuras gerações. Ao preservá-los, entendemos nossa história, de onde viemos, e criamos a perspectiva futura sobre de que forma pretendemos entregar nossa cidade para os nossos filhos, netos e bisnetos.”
Além da importância histórica, os patrimônios também podem ser explorados de forma turística. Segundo Ubirajara, já existem ações em andamento, como roteiros culturais, passeios guiados pelo Centro Histórico com escolas, museus abertos nos finais de semana e a Semana do Patrimônio, realizada em agosto.
Ele destaca ainda como a população pode ajudar. “Primeiramente, se apropriando de sua identidade cultural, valorizando nossa história e compartilhando com sua família e amigos a importância de cuidarmos de nossa cidade e de seus patrimônios.”
Exposição “Mogi das Cruzes, Ontem e Hoje”
Além dos bens tombados, Mogi recebeu recentemente uma homenagem artística à sua história. A Mostra de Artes Plásticas “Mogi das Cruzes, Ontem e Hoje – 465 anos de História” reuniu obras de AnaMarb, Iza Leão, Linda Fuga e Rodrigo Monteiro, retratando a cidade em diferentes tempos e olhares. A exposição esteve disponível no Piso 3 do Patteo Urupema Shopping, gratuitamente, até o dia 28 de setembro, e, mesmo já encerrada, deixou registro do talento mogiano e da valorização da memória da cidade.
Para o artista visual Rodrigo Monteiro da Silva, de 47 anos, a inspiração surgiu da relação simbólica, histórica e emocional que os monumentos carregam. “A maioria dos monumentos antigos está ligada a crenças e mitos. Às vezes, o monumento carrega a memória de uma época, de um povo ou de um acontecimento. Buscar e resgatar essa herança preserva visualmente algo que atravessa gerações”, afirma.
Obras de Rodrigo Monteiro da Silva | Óleo sobre tela
Ele também detalhou a técnica empregada nas suas obras. “A combinação de materiais e técnicas de forma estratégica é fundamental para revelar detalhes. Nas obras desta mostra utilizei pintura a óleo sobre tela, com pincéis finos para linhas e contornos, médios para áreas de transição, e telas de diferentes granulações para valorizar minúcias.”
Sobre o conceito de “Mogi ontem e hoje”, ele disse que buscou “mostrar o contraste entre épocas, colocando figuras do passado em diálogo com gestos modernos do presente, usando metáforas visuais para representar o tempo.”
Estação antiga de “Mogy” | Óleo sobre tela
A artista plástica Iza Leão, de 56 anos, trouxe lembranças pessoais para suas telas. “Mogi para mim é uma cidade acolhedora. Ao retratá-la, busco os lugares que me transmitiram essa sensação, como o Parque Centenário, que antigamente abrigava o navio museu com a história dos imigrantes japoneses.”
Parque Centenário | Óleo sobre tela
“Também tenho muitas memórias do Theatro Vasques, que frequentei desde criança, participando de apresentações de dança e competições de coral”, conta. Ela ressalta a importância de equilibrar a representação histórica com o toque artístico pessoal. “É fundamental pesquisar e entender a história por trás de cada patrimônio para expressar minha arte de forma autêntica, respeitando a memória do local.”
Theatro Vasques | Óleo sobre tela
Casarão e Igreja do Carmo | Óleo sobre tela
Já AnaMarb (Ana Maria Barbosa), com mais de 50 anos dedicados à arte, escolheu a porcelana para registrar a história da cidade. Entre as peças estão bules, xícaras, bombonières e um bengaleiro inspirado em fotos antigas e registros do início do século XX.
História de Mogi contada através de porcelanas | AnaMarb
“Chamo minha técnica de ‘arte do fogo’, porque as peças são queimadas a 750° a 800°. Uso tintas importadas e ouro 12%. Minha intenção é que as peças que eu não vender fiquem como patrimônio histórico para as futuras gerações, para que conheçam nossa cidade e sua história”, evidenciou.
Ela também se inspirou em memórias pessoais e na trajetória da família em Mogi, conectando sua vivência à narrativa histórica da cidade.
História de Mogi contada através de porcelanas | AnaMarbHistória de Mogi contada através de porcelanas | AnaMarbHistória de Mogi contada através de porcelanas | AnaMarb
Conheça mais sobre os edifícios históricos
Antiga Cadeia Pública e Fórum
Localizado na Rua Coronel Souza Franco, nº 1010, no Centro Histórico de Mogi das Cruzes, o prédio construído em 1900 carrega mais de um século de história. Com estilo eclético, típico das transformações arquitetônicas do Brasil República, o imóvel chama atenção pelas amplas janelas, molduras ornamentadas, frontão e muros que lembram um pequeno castelo.
Originalmente, o edifício abrigava o Fórum na parte superior e a Cadeia Pública no pavimento inferior. Com o passar dos anos, teve diferentes funções institucionais: foi sede do 17º Batalhão da Polícia Militar do Estado de São Paulo e, atualmente, é utilizado como sede do Comando de Policiamento de Área Metropolitana de São Paulo – CPAM/12.
Antiga Estação Rodoviária de Mogi das Cruzes
Inaugurada em 31 de maio de 1941, a antiga Estação Rodoviária de Mogi das Cruzes foi a primeira construção do tipo no eixo Rio-São Paulo, impulsionada pelo processo de urbanização trazido pela estrada de rodagem que ligava as duas capitais. O prédio está localizado na Praça Firmina Santana, no Centro Histórico da cidade.
Capela São Sebastião
A Capela de São Sebastião foi construída em 1902 para abrigar uma cruz que simbolizava um dos episódios mais comoventes da história de Mogi das Cruzes. A cruz havia sido erguida no local onde, em 1839, o escravo Sebastião foi enforcado após agredir seu senhor em um ato de legítima defesa.
Durante décadas, a população manteve viva a memória do episódio junto à cruz, que se encontrava onde hoje está o prédio do 17º Batalhão da Polícia Militar. Com a construção da nova Casa de Câmara e Cadeia, em 1900, o símbolo foi transferido para a recém-construída capela, próxima ao local da execução. O espaço passou a ser dedicado a São Sebastião, preservando tanto a devoção religiosa quanto a lembrança histórica.
Casarão do Carmo
Construído no século XIX, o imóvel que hoje sedia o projeto ‘Canarinhos do Itapeti’ é um dos remanescentes da arquitetura colonial em Mogi das Cruzes. Erguido com técnicas tradicionais como taipa de pilão e taipa de mão, o casarão foi originalmente residência da influente família Bourroul.
A partir da década de 1930, o espaço passou a abrigar diferentes atividades culturais e comerciais, refletindo a transformação urbana do Centro Histórico. Foi desapropriado e restaurado pela Prefeitura na década de 1980, e desde então, mantém sua vocação como centro de cultura e formação. O imóvel está localizado no Largo do Carmo, na Rua José Bonifácio, nº 516.
Casarão do Chá
Projetado em 1942 pelo arquiteto Kazuo Hanaoka, o edifício localizado no bairro Cocuera é um dos mais emblemáticos exemplos da influência da imigração japonesa no Brasil. Originalmente concebido para abrigar uma fábrica de chá, o imóvel une técnicas construtivas ocidentais, como telhas marselha, esquadrias e taipa de mão, com soluções formais inspiradas na arquitetura dos castelos e templos tradicionais do Japão.
A estrutura foi construída com madeira de eucalipto encaixada por meio de ensambladuras, técnica artesanal que dispensa pregos ou parafusos, resultando em uma obra de grande valor estético e simbólico. O edifício é um marco da integração entre culturas, refletindo a identidade japonesa inserida no contexto rural brasileiro.
O acesso é feito pela Estrada do Nagao, Km 3, a partir do Km 10 da Estrada Mogi-Salesópolis.
Escola Estadual Cel. Benedito de Almeida
Construída em 1901, a unidade escolar localizada na Rua Dr. Paulo Frontin, 240, no Centro Histórico de Mogi das Cruzes, é uma das primeiras do município e permanece como um marco da arquitetura escolar paulista do início do século XX.
O edifício conserva suas características originais, com exceção da adição de um pátio coberto e sanitários externos. O projeto é assinado pelo arquiteto José Van Humbeeck, um dos nomes importantes da arquitetura da época. Reconhecido por seu valor histórico e arquitetônico, o imóvel foi tombado pelo CONDEPHAAT em 2007.
Igreja Matriz de Sant´Ana
Localizada na Praça Cel. Benedito de Almeida, no coração do Centro Histórico de Mogi das Cruzes, a Igreja Matriz de Sant’Ana ocupa o mesmo terreno onde foi erguida a primeira capela do povoamento. Em 1902, o local recebeu uma igreja dedicada à padroeira da cidade, Sant’Ana.
Cinco décadas depois, em 1952, o então vigário da paróquia, Monsenhor Roque Pinto de Barros, idealizou a construção de uma nova matriz. Inspirado na arquitetura romana dos primeiros templos cristãos, o projeto da nova igreja apresenta uma fachada composta por um corpo central – correspondente à nave principal – ladeado por duas torres.
Um conjunto de três pórticos em arco destaca-se na formação do adro externo, enquanto o batistério está localizado sob a torre à direita. Mais que um espaço de fé, a Igreja Matriz de Sant’Ana é um símbolo da origem urbana e cultural de Mogi das Cruzes.
Mercado Municipal
Conhecido popularmente como “Mercadão”, o Mercado Municipal de Mogi das Cruzes tem suas origens em 1858, quando foi instalado no Largo da Matriz. Entre os anos de 1892 e 1912, um novo edifício foi construído na Rua Coronel Souza Franco, mas acabou sendo demolido em 1960 para dar lugar à atual estrutura, inaugurada em 1º de setembro de 1965.
Com sua ampla variedade de frutas, hortaliças, flores, doces artesanais e aves para criação, o Mercadão é um dos principais pontos comerciais e turísticos da cidade, atraindo visitantes de toda a região.
Theatro Vasques
O Theatro Vasques, um dos mais importantes marcos culturais de Mogi das Cruzes, teve sua origem em um movimento liderado por moradores da cidade, que arrecadaram os recursos necessários por meio da venda de ações. A pedra fundamental foi lançada em 19 de setembro de 1901, e o teatro foi oficialmente inaugurado em 6 de dezembro de 1902.
Com o surgimento do cinema e a diminuição da oferta de espetáculos teatrais, o espaço passou por diferentes usos ao longo do tempo. Entre 1936 e 1937, tornou-se sede da Câmara Municipal, mas foi fechado durante o Estado Novo. Em 1948, voltou a abrigar as atividades do Legislativo municipal.
A partir de 1980, passou por uma ampla reforma e foi reinaugurado como Teatro Municipal “Paschoal Carlos Magno”. Em 2002, após nova restauração, retomou seu nome original: Theatro Vasques.
O projeto original do edifício, incluindo cenografia, pintura, distribuição interna e camarins, foi desenvolvido pelo ator Roque de Castilhos, ex-aluno da Escola Politécnica do Rio de Janeiro.