Juliana Rodrigues Trio toca a complexidade da vida em novo álbum
Um álbum denso, com piano, bateria e baixo. Com sentimento. Uma experiência evidentemente instrumental, mas com muitas falas, com muitas palavras. Um trabalho que valoriza o improviso, que mostra a alma. Uma celebração à vida, seus sabores e dissabores. Tudo isso – e ainda outras tantas entrelinhas, significados e conceitos- fazem parte de ‘Vive’, o […]
Reportagem de: O Diário
Um álbum denso, com piano, bateria e baixo. Com sentimento. Uma experiência evidentemente instrumental, mas com muitas falas, com muitas palavras. Um trabalho que valoriza o improviso, que mostra a alma. Uma celebração à vida, seus sabores e dissabores. Tudo isso – e ainda outras tantas entrelinhas, significados e conceitos- fazem parte de ‘Vive’, o novo disco de Juliana Rodrigues Trio (Juliana Rodrigues, Abner Paul e João Benjamin). Com lançamento digital previsto para abril, a obra já tem dois singles disponíveis no Spotify e YouTube.
Está em uma poesia de Juliana -que nasceu em Mogi das Cruzes/SP, estudou no Conservatório Souza Lima, na Escola de Música do Estado de São Paulo (Emesp) e no Newpark Music Centre, na Irlanda- uma das inspirações para a concepção do álbum.
“Tão relativo o tempo/ para quê se ater tanto a um mero marco? / para quê medir tanto quando foi, se já foi, se já é? Vive.”, é o que dizia o poema escrito originalmente para acompanhar a faixa ‘Afrinco’, do CD de estreia do trio, ‘Mnemosine’, de 2017.
Como ela poderia saber que, um ano depois daquele lançamento, estaria no palco do ‘Instrumental Sesc Brasil’? Ou que dois anos depois participaria, com os companheiros Abner e João, do ‘Festival Internacional Jazz al Este’, realizado no Paraguai?
Não, ela não tinha como saber. Mas foram as experiências vividas durante a turnê no país vizinho que levaram a concepção de ‘Vive’. Afinal, seja no estúdio ou no palco, o trio sempre dá espaço para a experimentação, para a liberdade. Para a criatividade.
Juliana, Abner e João testaram, no palco, novas faixas. Alguns exemplos são ‘Entre as Estrelas e o Chão’, ‘Quatro por Meia Dúzia’, ‘Afro BA’ e também uma série de improvisos que foram incluídos em ‘Vive’.
Tudo aconteceu de forma natural. Juliana tinha crédito de algumas horas no estúdio Arsis, em São Paulo, e decidiu registrar as três canções que já tinham sido apresentadas ao público. Quando foram gravar, porém, os músicos decidiram expandir a ideia, e iniciaram a configuração de um disco inteiro.
“As músicas se transformaram bastante”, explica a pianista, que enxerga no novo trabalho uma metáfora para a vida. “A gente entendeu que é tudo um processo, e que a cada momento estamos em partes diferentes dele”.
Essa é apenas uma das várias reflexões que permeiam a obra. Todas as composições têm raízes em questionamentos complexos e por vezes pessoais. Há, por exemplo, dois improvisos – ‘Camarim, figurino e cenário’ e ‘Como fosse a cura’ – feitos por Juliana em homenagem a sua mãe, Roselene.
Com duas faixas carregadas de sentimento, ‘Vive’ já tinha cinco músicas. Outro experimento que vinha dos palcos, ‘Mataram Mais Uma de Nós’, foi adicionado. E então já eram seis. Mas ter solos apenas de Juliana não parecia justo, e ela convidou os demais integrantes a partilharem suas emoções. “Sempre digo que amo tocar minhas músicas, mas odiaria tocar somente as minhas”, afirma a artista. O resultado pode ser ouvido em ‘Sol’, com a bateria e a kalimba de Abner Paul, e ‘Pro João’, com o baixo de João.
Fruto de sentimentos muito íntimos e da sinergia entre os três artistas, o CD fala do que “é caro” a eles: a relação familiar de cada um. Isso está expresso em todos os aspectos, como nas artes da capa do CD, dos singles e do encarte físico, que transformam as letras em pássaros voando livres.
Um álbum para ser desfrutado “em todos os palcos que estiverem abertos”, ‘Vive’, aliás, foi contemplado com recursos da Lei Aldir Blanc em sua versão física. Com os recursos repassados pelo governo federal, 300 cópias serão prensadas em breve.
Até o dia 15 de abril, quando o álbum será disponibilizado na íntegra nas plataformas digitais, diversos materiais serão lançados nas redes sociais (YouTube, Facebook e Instagram) de Juliana Rodrigues.
Dois singles já estão disponíveis no Spotify: ‘Entre as Estrelas e o Chão’ e ‘Quatro por Meia Dúzia’, que embora tenham um significado próprio, aceitam as mais diversas interpretações dos ouvintes. E mais conteúdos já programados.
O projeto ainda inclui shows gravados, lives e uma minissérie documental, ‘Sobre Vive’, que explica em seis episódios os sentimentos que nortearam cada uma das faixas.
Faixa a faixa
Assim como a vida, o disco abre com ‘Origem’. Nessa canção, assim como ensinou o compositor Hermeto Pascoal na técnica ‘Som da Aura’, o piano de Juliana acompanha o discurso de sua avó materna, Elisa.
“É uma quebra de expectativa. Um disco de um trio instrumental que começa com uma senhorinha falando”, opina Juliana, que selecionou um pequeno trecho de uma entrevista que gravou com a própria avó. Agora em versão musicada, uma das várias histórias contadas por Elisa mostra as dificuldades vividas por uma migrante de origem humilde nos tempos em que “era tudo diferente”.
Se o início foi com a avó de Juliana, a sequência teria que ser com a mãe, Roselene. Como uma homenagem, Juliana gravou um improviso, que embora tenha sido pensado mais melancólico, ficou com um tom alegre. “Eu não tinha controle sobre a música. Apesar do momento difícil, minha mãe me remetia também a muitas memórias felizes também”, explica a pianista, sobre ‘Camarim, figurino e cenário’.
O título da música foi pensado a partir de três lembranças. “Minha mãe era uma grande parceira e incentivadora de tudo. Ela fazia camarins monstruosos, bordava o figurino que eu usava para dançar quando era criança e me ajudava a pensar no cenário dos shows. É uma boa metáfora para dizer o quanto ela foi fundamental para que eu tivesse todos os recursos necessários para viver minha vida e minha arte”.
Depois de uma experimentação e um solo, o trio chega com tudo em ‘Afro BA’, que cria um som envolvente, complexo e dançante, com sonoridade inspirada em ritmos da cultura africana; e então há mais um solo, ‘Sol’, de Abner Paul.
Feito em homenagem à Solange, mãe de Abner, a faixa é um improviso feliz. “Ela começa com um presente que ganhei da minha mãe, a kalimba, e quando entra a bateria eu faço um som que remete a chuva, porque esse barulho d’água me lembra a infância”, explica o músico.
A próxima, ‘Mataram Mais Uma de Nós’, impacta o ouvinte, novamente com um discurso musicado. As falas são lamentos de Talíria Petrone pelo assassinato de Marielle Franco, que também tem voz na faixa. É um protesto, uma manifestação artística, uma declaração política feita pelo trio.
A energia forte dá espaço à melancolia em ‘Como se Fosse a Cura’, definida por Juliana como “autoexplicativa”, também em homenagem à mãe, e depois se abre em uma música dançante: ‘Quatro por Meia Dúzia’, tocada pelos três.
Descrita como “malemolente”, essa é uma faixa complexa. “É um Chá-chá-chá, um latin meio Bolero tocado à nossa maneira”, argumenta João, que defende a melodia “bonita e extremamente bacana de tocar”.
O último dos solos é ‘Pro João’, que João compôs para o próprio filho. Emocionante, singela e tocante, não foi uma música programada, e sim uma genuína manifestação de amor. “Sem querer cantarolei uma melodia. Foram aparecendo as ideias, fui pensando nele, nascimento, infância, ele e meu pai…”, explica seu autor, emocionado.
O disco se encerra com mais um tributo, outra vez com o trio completo. ‘Entre as Estrelas e o Chão’ é uma homenagem de Juliana para o próprio pai, Fábio, que é “ao mesmo tempo, uma pessoa super criativa e super sensível, mas também super certinho e pé no chão, além de fã de astronomia”.
Conheça o trio
Juliana Rodrigues
Pianista e compositora, Juliana Rodrigues é bacharel em Jazz pela Newpark Music Centre em Dublin (Irlanda). Sua trajetória na música foi iniciada aos sete anos, com aulas particulares de piano. Em sua formação constam ainda a Faculdade Internacional de Música Souza Lima & Berklee e a EMESP Tom Jobim, onde estudou, respectivamente, o piano no jazz e na música brasileira e composição contemporânea.
Além de seu trio, Juliana é também integrante do grupo de samba Dona da Rua. Formado apenas por mulheres, tem como parte de seu objetivo trazer a discussão sobre gênero e diversidade no meio musical. Lançou junto a este grupo o single ‘Que Venha em Mim’ em 2020 e está em processo de produção do primeiro álbum, com lançamento previsto para 2021.
Outros destaques em sua trajetória profissional são suas apresentações solo na ‘1a Mostra Novos Pianistas’ do CEVIMU de André Marques em 2019, no Savassi Festival, no National Concert Hall (Dublin – Irlanda, onde também apresentou composições para octeto) e no palco Piano na Praça na Virada Cultural de São Paulo. Excursionou para Peru e México com o Coletivo Carta na Manga para apresentar-se no festival Sonamos Latinoamérica, tendo também gravado um disco com o mesmo grupo. Participou da gravação de diversos álbuns como pianista convidada.
Abner Paul
Bacharel em música pela Faculdade Santa Marcelina e tecnólogo pela Faculdade Internacional Souza Lima & Berklee, foi integrante das orquestras dos espetáculos musicais ‘Chaplin – O Musical’, ‘Urinal – O Musical’, ‘Antes Tarde do que Nunca – O Musical’, ‘Crazy For You – O Musical’ e outros.
É integrante e idealizador do Trio Corá, projeto autoral de música instrumental brasileira e do grupo Monã, em que cria composições coletivas e da banda Bolero Freak, um tributo a Tropicália. Lecionou no Conservatório de música Souza Lima e Escola de Música de Jundiaí. Atuou como baterista, violonista e/ou arranjador com os artistas Michel Leme, Ulisses Rocha, Fernando Corrêa, Maestro Spok e Spok Frevo Orquestra, Gabriel Sater, Rosa Passos, Clara Moreno e outros.
João Benjamin
Com atuação em diversos contextos estilísticos, o experiente baixista João Benjamin acumula em seu currículo participações em festivais e gravações de estilos diversos, tocando tanto baixo elétrico quanto acústico. Natural de Belém do Pará, o instrumentista mudou-se para São Paulo por ter sido contemplado com uma bolsa de estudos para cursar a Faculdade Internacional Souza Lima & Berklee. Nesta, teve a oportunidade de estudar com musicistas renomados como Sizão Machado, Nenê, André Marques e Vítor Alcântara e rapidamente inserir-se no cenário da música instrumental da cidade.
Entre big bands, quartetos e trios, se destacam em sua carreira a participação no ‘Festival de Jazz e Blues de Penedo’ junto ao trombonista estadunidense Stteford Hunter e ‘Ver-o Jazz’ com o violinista chileno Ivan Latapiat.
Além disso, a gravação dos CDs e DVDs das cantoras Carol Landi, Suelen Karine e Alessandra Lippeli, as participações nas big bands Speaking Jazz e Souza Lima Big Band e do CD de música instrumental do pianista Alexandre Vianna.