Exposição de Nerival pode ser conferida até dia 30, na Vila Helio
Há 50 anos, a Praça da República, centro velho de São Paulo, que a maioria dos povos, etnias, artes e culturas do mundo já visitou, foi a maior fonte de influência artística do gênero naif adotado pelo autodidata Nerival Rodrigues. Hoje, em comemoração ao centenário da Semana de Arte Moderna de 1922, a exposição “Olhar […]
Reportagem de: O Diário
Há 50 anos, a Praça da República, centro velho de São Paulo, que a maioria dos povos, etnias, artes e culturas do mundo já visitou, foi a maior fonte de influência artística do gênero naif adotado pelo autodidata Nerival Rodrigues. Hoje, em comemoração ao centenário da Semana de Arte Moderna de 1922, a exposição “Olhar Ingênuo” apresenta 10 obras inéditas, e acontece até o final deste mês na Vila Helio, em Mogi das Cruzes.
Conhecer de perto o conceito naif através do olhar do pernambucano Nerival é um momento único. O público vai encontrar na exposição uma releitura de vários artistas como Di Cavalcanti, Tarsila do Amaral e Candido Portinari, que traz o olhar ingênuo de Nerival Rodrigues. O lúdico, a leveza, a fauna e a flora em plena harmonia, a Amazônia, as famílias de trabalhadores rurais, os cafezais, ou até mesmo os centros urbanos, na música de Villa Lobos, são algumas das ins pirações reproduzidas nos quadros do pintor
A mostra vem ao encontro ao aniversário de Mogi das Cruzes, 462 anos, e também ao bicentenário da Independência do Brasil. O evento traz ainda um catálogo digital com a trajetória de 50 anos de carreira do pinto, roda de conversa com artistas da cidade, e a oportunidade de ver a obra reproduzida do lado de fora, na praça, em formato de totem.
Nascido em Garanhuns, Pernambuco, Nerival foi um retirante nordestino que migrou para o Paraná num caminhão pau de arara. O artista reproduz a obra ‘’O Retirante’’, de Candido Portinari, com outro olhar. “A pintura retratada por Portinari é uma cena de horror, porque assim era a realidade da época. Na minha obra, me inspiro no músico Geraldo Vandré, pra dizer que não falei das flores, caminhando e cantando”, recorda o artista.
Do Paraná, ele se mudou para Auriflama, em São Paulo, onde surgiu a arte que mudaria sua vida. Nerival define seu trabalho como contemporâneo, mas com um conceito ingênuo. “Ingênuo porque preservo as raízes culturais da virada do século XIX para o século XX. Sempre conectado à realidade social, mas sem fazer parte de nenhuma fonte ideológica”, comenta o artista. Por algum tempo, ele foi vizinho da filha de Tarsila do Amaral, fortalecendo a conexão com a fase ingênua naif de Tarsila.
“A crítica europeia quando veio para o Brasil chamou a nossa arte de primitivista, porque o termo naif ainda não era explorado. Vários representantes da Bienal de Veneza vieram ver o que estava acontecendo na Semana de Arte Moderna de 1922”, enfatiza Nerival.
Foi Henri Rousseau o grande influenciador das obras de Nerival. O pintor francês foi inserido no movimento moderno do pós-mpressionismo.
Ditadura Nunca Mais
Mais de 40 obras receberam a inspiração do músico, compositor e poeta Geraldo Vandré. Na época da ditadura, Nerival também sofreu com a censura tendo sua obra confiscada por militares. “A fase sulrealista deixei de fazer por conta da ditadura”, recorda com indignação.
A obra censurada trazia o tronco de uma árvore sendo cortada com um machado e jorrando sangue. Isso ocorreu uma década antes de Chico Buarque e Francis Hime lançarem o samba-enredo “Vai Passar”, em 1984.
O boicote também estava nas entrevistas de rádio, dificultando a divulgação do trabalho. “Ditadura nunca mais. Essa época quero esquecer”, diz Nerival. Após a ditadura, o artista viveu uma nova fase viajando por vários lugares, tanto no Brasil como fora do país. A sua primeira exposição individual ocorreu na Secretaria de Estado da Cultura, no Paço das Artes, e contou com o apoio do jornalista Jorge da Cunha Lima, principal incentivador do estilo cubista, que aparece em algumas telas do artista.
A carreira internacional surge em 1991, quando foi recebido pelo embaixador da Costa Rica, Jorge Luís Rangel de Castro, onde retornou por mais duas vezes. Nerival também expôs suas obras, em Barcelona, Amsterdã, Marrocos, Miami e Lisboa. Em alguns lugares a exposição ocorreu sem a presença do artista.
Na opinião dele, os contatos pessoais, intercâmbios, e exposições fizeram toda a diferença na divulgação do trabalho. O grande sonho de Nerival é levar sua obra para Nova York, França e Tóquio.
A realização da mostra “Olhar Ingênuo” vem com um sentimento de gratidão a todos que valorizam a arte e a cultura. Convidado pelo idealizador da exposição, Paulinho Ferreira a fazer parte do evento, o artista contemporâneo Mauricio Chaer criou todas as molduras deixando as obras ainda mais impressionantes.
“Tentei respeitar cada tema, não de maneira direta, mas em sincronia com a obra. A exposição do Nerival é minha também, porque estamos homenageando o centenário da Semana da Arte Moderna”, diz Chaer.
Paulinho também contou com o apoio do artesão Claudio Duque, amante das artes e responsável pela realização dos totens.
A iniciativa da mostra teve início com a criação de um documentário sobre a vida e obra do artista plástico Nerival Rodrigues. A partir do material, que leva o mesmo nome “Olhar Ingênuo”, o produtor de áudio visual Paulinho Ferreira buscou apoio na Lei de Incentivo à Cultura Municipal (LIC), e foi contemplado com o patrocínio do Grupo Marbor Empreendimentos Imobiliários.
“Todos podem contribuir com a LIC, tanto pessoa física como jurídica, através do IPTU ou ISS. Posso dizer que não é fácil captar recursos para qualquer evento cultural nesse país, porque existe um trabalho burocrático; falta informações; conhecimento das empresas sobre a lei, e reconhecimento do Estado na importância da cultura e da arte”, relatou.
Por outro lado, Paulinho também lembra da importância de apoiar esses eventos, tanto para a economia como para o turismo, movimentando consideravelmente a arrecadação de impostos de uma cidade.
A revitalização da Vila Helio foi determinante na escolha do local para a exposição. “Se você esquecer um quadro do Nerival na Vila Helo, vai passar despercebido”, comenta Paulinho enaltecendo a arquitetura do espaço. Na opinião do produtor, a exposição está bem localizada, tem fácil acesso por estar no centro da cidade; próxima ao Terminal Central e estação ferroviária e permanece aberta a todos os públicos.
A exposição vai até o próximo dia 30, de segunda a sexta-feira a partir do meio-dia até as 20 horas e no sábado das 10 às 20 horas.